domingo, 24 de julho de 2011

QUEM NÃO SOMOS?

Mauro S. da Rocha

E então, apagou-se a luz. E a mente foi bombardeada por imagens e questões, no mínimo, intrigantes. Numa mistura de ciência, imaginário, realidades paralelas e animações, mergulhamos nossos olhos e mentes, treinados e adaptados, rumo ao desconhecido mundo das possibilidades. Neste percurso, encontramos o tudo e o nada em constante interação e uma exaltação do “se”. Essa foi nossa impressão ao ver “Quem somos nós?”, filme de 2005 dirigido por Betsy Chasse, Mark Vicente e William Arntz.

Este filme, apresentando como uma das propostas uma discussão sobre física quântica, nos remete a questões primordiais da humanidade. Neste sentido, desvendar suas conexões e compreendê-las a partir da interação com a realidade em que nos encontramos significa caminhar rumo a uma nova visão de mundo. 
Neste pequeno esboço pretendemos, a partir do referencial da psicologia analítica, contribuir com as discussões acerca do filme acima citado e, consequentemente, com estudos referentes às teorias em questão e à realidade.

A ciência do homem
Não nos prenderemos no fato de que a discussão sobre mente e corpo caminha junto ao desenvolvimento da sociedade, entretanto, não podemos nos esquecer dessa pequena discussão que norteia todo o processo evolutivo humano. Cabe apenas apontarmos para o fato de que estamos alcançando um novo estágio no qual um grande número de teóricos prefere aceitar a idéia de que estes campos, mente e corpo, encontram-se mais relacionados do que aparentemente apresentam-se. A influência mútua é inegável e, consequentemente, os resultados são inquestionáveis (para uma mente sã). 
Pensamos nestas questões quando assistimos ao filme citado. Ele nos dá a impressão de que estamos, a todo momento, interagindo com o universo em que vivemos muito mais do que fisicamente. Nos detalhes poderemos perceber (através de um grau elevado de desenvolvimento, se é que podemos dizer isso) que nossa menor fração de pensamento está ligado a uma cadeia incomensurável de conexões que se influenciam mutuamente. Seria isso que abriria um mundo de possibilidades dentro de uma realidade entendida como concreta. Porém, nesta forma de ver o mundo através de possibilidades, o concreto também perde seu patamar de grandeza absoluta e torna-se apenas mais uma forma de se ver a realidade. 
Através da discussão sobre o que é realidade, podemos dizer que o filme nos chama a atenção para crenças cristalizadas e verdades elaboradas em saberes científicos, levando-nos a questões que, durante 108 minutos (tempo do filme), abalam sensações, emoções, pensamentos e sentimentos estruturados durante uma vida, nossa vida. Neste sentido, ele ganha pontos por provocar uma faísca em nosso ser, que deve ser apreciada e cuidada. Talvez não provoque uma revolução, entretanto, nos convoca a alguns momentos de reflexão.
Provavelmente tenha sido esse movimento que nos levou a tentar compreender melhor esse filme e, como dissemos em nossa sucinta introdução, nos embasamos na psicologia analítica e, portanto, cabem alguns esclarecimentos quanto a teoria e nossas intenções. 

Um conhecimento diferente
Jung, conhecido por seus estudos em psicologia e psiquiatria, interessa-se, desde seus trabalhos iniciais, por uma variedade de conhecimentos e saberes – sejam eles científicos ou culturais. É neste percurso que ele encontra subsídios para montar e continuamente atualizar suas teorias sobre o homem, tendo em vista que, de acordo com ele, o homem é um ser em constante interação consigo e com o meio através de ações e relações muitas vezes simbólicas. 
Pela variedade de conhecimento buscado, Jung chega à física com a necessidade de saber se a psicologia poderia, até certo ponto, ser compreendida através de conceitos da física. Para tanto, desde 1920, ele já inicia alguns estudos e apontamentos neste campo, reflexo talvez de sua relação com alguns físicos e matemáticos. A partir de 1928 percebemos sua caminhada no campo entre a física e a psicologia de forma mais clara quando elabora o conceito de energia psíquica nos moldes de uma energia física apontando ainda a diferenças entre uma visão científica causal e outra finalista (com isso ele busca diferenciar, definitivamente, seu ponto de vista teórico com relação as demais teorias existentes). 
Entretanto, quando mencionamos Jung e física, logo vem a mente da maioria das pessoas o fato de que este escreveu sobre Sincronicidade e que este conceito relaciona-se com a discussão sobre Física Quântica. Talvez pela proximidade entre os assuntos, talvez pelo fato de que Jung escreve este texto aliado a W. Pauli – um dos fundadores da física quântica – fato é que este texto marca a obra de Jung, seus seguidores e a população científica de uma forma geral. As questões apresentadas por estes dois autores em 1951-2 propõem, ao nosso ver, uma reformulação num sentido amplo de toda a forma de ver e compreender a ciência como um todo. Na produção em questão Jung afirma que 
A preocupação do método científico experimental é constatar a existência de acontecimentos regulares que podem ser repetidos. Consequentemente, acontecimentos únicos ou raros não entram em linha de conta. [...] A chamada visão científica do mundo, baseada neste resultado, nada mais é, portanto, do que uma visão parcial psicologicamente tendenciosa que deixa de lado todos aqueles aspectos, em nada desprezíveis, que não podem ser estatisticamente contados (JUNG, 1985, p 1).
Partindo por esse caminho entramos em campo de areia movediça, uma vez que saímos das convenções científicas e nos embrenhamos numa realidade composta de possibilidades e fatos inesperados. Este é o percurso proposto por Jung ao descrever a sincronicidade, percurso também descrito por teóricos da física quântica e pelo filme em questão.

Ao final - mentes 
Pois bem, chegamos aqui com a certeza, ou dúvida, entre psicologia e física, entre mente e corpo, entre física quântica e sincronicidade, entre o filme Quem somos nós? e a possibilidade de jogarmos basquete em vários lugares ao mesmo tempo. 
Provavelmente tenha sido este o objetivo do filme, deixar a todos com uma dúvida produtiva assim como vários teóricos, incluindo Jung e Pauli, nos deixaram e nos deixam todos os dias quando abrimos um livro sobre este ou aquele assunto. Ademais, qualquer discussão inicia-se em nós mesmos. 
De modo geral, podemos afirmar que estes são campos novos que merecem maiores explanações. A Psicologia, talvez devido a sua tenra idade como corpo teórico estruturado, ainda encontra dificuldades ao tentar ligar-se e/ou agregar saberes de outras áreas de conhecimento. Fato este que contribui, ao nosso ver, de forma negativa com o seu desenvolvimento.
Para finalizar, com a idéia de que abrimos algumas portas para novas buscas, talvez, ao final do filme possamos responder a pergunta título do mesmo de forma mais tranqüila. Entretanto, podemos dizer que há nisso tudo uma substituição da dúvida inicial, ou seja, quem não fomos?, quem não somos? e quem não seremos?. 
Acenda a luz... bem vindo a um mundo de possibilidades. 


REFERÊNCIAS
JUNG, C.G. Sincronicidade: um princípio de conexões acausais. Trad. Pe. Dom. Mateus Ramalho Rocha. 2ª ed – Petrópolis, Vozes, 1985 (Obras Completas vol VIII/3).
HANNAH, Bárbara. Jung: vida e obra – uma memória biográfica. Trad. Alceu Filmann. Porto Alegre, Artmed, 2003.
Pegar referencia do filme. 

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