terça-feira, 5 de julho de 2011

O mEu mundo é mEus

Como as pessoas estão se relacionando? O assunto é batido, mas nunca se esgota a discussão sobre o tema. Jung já dizia que quando falamos de relacionamento pressupõe-se uma consciência e esta é a consciência do Eu. Afinal, “para tornar-me consciente de mim mesmo, devo poder distinguir-me dos outros. Apenas onde existe essa distinção, pode aparecer um relacionamento” (O desenvolvimento da personalidade, § 326). E lembre-se, juntamente com essa consciência do Eu os fatores inconscientes estão em ação. Portanto, já visualiza-se a complexidade apresentada quando nos propomos  a  relacionarmos com o Outro. 

Ampliemos essa questão e já nos deparamos com o fato de que num relacionamento não é apenas o Eu que está em interação, mas também o Outro dentro de mim, meu inconsciente. Ou seja, o meu Eu com o meu Outro em mim em relação com o Outro e o Eu existente no Outro. Alguma dificuldade em perceber isso? Talvez seja este fato, muitas vezes imperceptível aos olhos mais atentos, que faça com que o sujeito da atualidade procure não se relacionar, ou melhor, procure se relacionar de forma que não perceba essa complexidade e, consequentemente, esses conflitos. 
Vejamos. É conflituoso pensar em todas essas questões quando nos aproximamos verdadeiramente do outro. Teríamos que perceber nossos desejos, anseios, atitudes, utopias, fantasias, etc... etc... a fim de tentar interagir da forma mais verdadeira possível com os desejos, anseios, atitudes, utopias, fantasias, etc... etc.. do outro. Muito complicado? Talvez. Seria melhor, então, não pensarmos nisso, ou melhor, não vivenciarmos todo esse meio caótico existente entre o Eu e o Outro. 
Dessa forma, continuo em um mundo mEu perfeito. Nada é abalado por condições que tornem meu Eu insatisfeito. O melhor, neste caso, é se esconder por detrás de uma máscara de satisfação racional que promova a supremacia do meu Eu. Portanto, o mundo é perfeito, desde que seja o mEu mundo. 
Quais seriam as implicâncias disso na sociedade atual?
Ao não se relacionar com o Outro, também não me relaciono comigo, com o Outro em mim. Neste sentido, a inflação do Eu se torna cada vez mais uma realidade. Contraditoriamente, é nesta atuação que damos mais poder ao Outro, afinal, não percebê-lo é como dar uma condição de superioridade a esse Outro. Veja, quando me fecho em meu mundo, tudo o que está fora dele é algo que deve ser eliminado. Dessa forma, o estranho deve ser eliminado a fim de não me causar danos. O Eu elimina para não ser agredido. Mas seria o Outro um agressor? Uma vez que não me faço essa questão, pois deve apenas existir o Eu, dou ao outro um poder que ele não tem. Na intenção de eliminá-lo informo à ele que ele pode me derrotar. Percebem a contradição?  O Eu tem que provar que é melhor, que seu mundo é melhor. Mas para que a provar se ele já é? Se tenho que provar algo, não é porque estou abaixo de algo que precisa ser superado? 
Neste panorama o Eu perde-se em sua própria construção, haja vista que ele precisa do Outro para se constituir como Eu Diferenciado. 
Barcellos em seu livro sobre O irmão: psicologia do arquétipo fraterno, nos oferece uma imagem que pode auxiliar quando pensamos em relacionamentos. Segundo este autor, o irmão nos oferece a possibilidade de ensaiar atitudes para com o Outro. Ele coloca que a relação com o irmão, seja ele caracterizado nas mais diversas formas, fornecerá meios para que possamos interagir com os demais sujeitos, esses demais Outros individuais ou sociais. 
Todavia, como regra psi, não há uma fórmula válida para todos os casos. Cada sujeito é um sujeito constituído de n formas. Por esse caminho, o que se pode afirmar é que o individuo deve estar atento a forma com que se relaciona. 
Muitos autores, mesmo os mais antigos, já discutiam estas questões. Atualmente ela ganha um destaque frente a cultura pois, a nosso ver, as novas tecnologias invadem casas e círculos de amizade, fazendo com que as relações existentes nestes ambientes sejam transformadas. Seria isso apenas “culpa” da tecnologia? Mais uma vez estamos, nestas discussões, retirando o Outro de cena e prezando pela supremacia do Eu, pela não transformação. Ou não? A culpa seria apenas do homem tecnológico? 
López-Pedraza em seu livro Ansiedade Cultural chama a atenção para os movimentos titânicos presentes na sociedade. Ampliando a idéia deste autor podemos chegar a algumas posições que contribuem para a discussão aqui proposta. Ele afirma que essa condição titânica aparece sem leis, sem ordem e sem limites, o que existe é apenas o excesso. E também nos apresenta um quadro no qual “o fracasso e o que lhe diz respeito está fortemente reprimido; é como se isso fosse a última coisa de que gostaríamos de nos inteirar” (p. 92). Seria esse o quadro dos relacionamentos atuais? O exagerar e o não fracassar? Mas se não quero cometer o erro, uma das opções, é o não começar!
Vemos que talvez não haja uma inabilidade em se relacionar, mas provavelmente uma indisposição para. Questiona-se aqui se o Eu está realmente querendo essa relação. Este Eu se vê sendo construído através dessa relação? 
Não cabe aqui afirmações. Cabe apenas uma reflexão sobre o quão forte estamos colocando esse Eu ou esses Outros em nossas vivências. O quanto queremos construir no decorrer da história.

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