domingo, 31 de julho de 2011

NA TRILHA DE EROS E PSIQUÊ

... sê paciente, aguarde o momento adequado. As coisas giram. Chega o tempo, vem o conselho. Nem sempre é dia alto e nem sempre o masculino é mortal. Não se deve usar a violência. Chega a hora em que o sol se põe, a hora em que o calor não é tão forte e destruidor. Chega o entardecer e a noite, e o sol volta para casa, pois Hélio “viaja para as entranhas da sagrada noite escura, para junto de sua mãe, da esposa e dos muitos filhos, e então o princípio masculino se aproxima do feminino”. (p. 81).

Mas esse fracasso paradoxalmente feminino de Psiquê provoca a intervenção de Eros que, de jovem aventureiro e imaturo, torna-se um homem: o fugitivo ferido torna-se o salvador num outro nível. Nas leis que parecem formar a base deste mito, Psiquê, com seu fracasso, faz exatamente o que tinha de fazer, aquilo que estimula a primeira ação inteiramente máscula de Eros. Quando, na ocasião anterior, ela acendeu a luz do candeeiro correndo o risco de perder Eros, impulsionada por algo que lhe pareceu ser ódio, agora ela está disposta a “permanecer nas trevas” a fim de conquistá-lo, impulsionada por um motivo que lhe parece ser o amor; com essa situação em que, como uma nova Core-Perséfone, dorme novamente no caixão de cristal, Psiquê fornece ao amante a oportunidade de aparecer como seu salvador, como o seu herói.
Na medida em que Psiquê sacrifica o lado masculino - que, necessário como era - conduziria à separação, ela veio a ficar numa situação em que, justamente por seu desampara e pela sua necessidade de ser salva, libertou o encarcerado Eros. (p. 98 - 99).


Estas são passagens do livro AMOR E PSIQUÊ: Uma contribuição para o desenvolvimento da Psique Feminina, de Erich NEUMANN, e oferecem uma abordagem não apenas relacionada ao desenvolvimento e funcionamento do feminino, mas também, amplifica questões ligadas ao relacionamento entre casais. 
Tomando essas duas citações como pano de fundo pode-se formular explanações que apontam para caminhos que levam em consideração os papéis colocados dentro de um relacionamento amoroso, ou, se entende-se esse amoroso como algo mais amplo, leva-se em consideração todas as formas de relacionamento interpessoal no qual se pode perceber o jogo de projeções e conflitos. 
De forma mais clara, pode-se dizer que apenas quando um dos sujeitos envolvidos na relação percebe sua condição, de forma consciente, é que se começa, realmente, um relacionamento. Caso contrário esse “jogo” transcorre dentro de um ambiente de total inconsciência e inconseqüência. Pensa-se aqui no fato de que a partir do momento em que Psiquê aguarda e espera que a situação se torne favorável ela consegue executar a tarefa imposta. Essa tarefa, em específico, se refere a pegar lã dos carneiros selvagens. 
Pode-se pensar aqui que somente quando o princípio feminino, de constituição lunar, aguardar o “enfraquecimento” do ser solar, o princípio masculino, haverá uma relação de igualdade. Neste sentido, é quando um e outro estiverem “na metade do caminho” que ocorrerá uma relação na qual nenhum dos dois sairá ferido. Pensa-se aqui na maneira de ambos se relacionarem de forma mais equilibrada na qual não haja um imposição de forças ou vontades. Ocorre aqui a troca, a relação de forma mais verdadeira e saudável. 
Como o homem redondo de Aristófanes, um poderá integrar o outro e tornarem-se uma figura una. Semelhante ao yin/yang. 
Neste aspecto cabe colocar que a relação não se dá através da imposição, mas sim da escolha. Quando me encontro no meio do caminho não sou contaminado pela unilateralidade dos opostos. Ocorre um processo que leva o sujeito a observar-se, não se age por impulso. Talvez esta seria uma situação perfeita, utópica. Todavia, tomando o fato de que chega uma hora em que o sol não é tão forte e destruidor, a paciência e espera tomam a cena e tornam-se essenciais no processo. Seria essa atitude que contribuiria para o “esfriamento da cabeça”, levando o sujeito a uma reflexão perante os fatos ocorridos e sobre o melhor momento e a melhor forma de interação. 
Não é raro relatos de que “tal pessoa me faz explodir”, “me falta paciência, quando vejo já foi”, “sou esquentado”, etc. Todas essas afirmações lembram o fato de que com o calor, em sua potência máxima, é gerada a destruição. Na melhor das hipóteses um conflito no qual uma das partes sai prejudicada. 
Esse calor dá a certeza a quem o possui, oferece a única resolução possível, um caminho rígido, unilateral, e sem retorno. É neste momento que tem-se a solução e a certeza para a situação. É neste momento que se afirma “Eu sei que isto é o melhor a se fazer.”, “Eu sei que é desta forma.”, “Eu”... Entende? Consegue ver o sol da consciência do Eu eliminando toda a vida que possa surgir?
É este aspecto que Psiquê deve esperar esfriar para se relacionar. Para não contaminar-se neste jogo e autodestruir-se. O confronto direto, neste caso, mostra-se como a pior opção. 
Contrariando a perspectiva da atualidade, esperar, ter paciência, neste caso, é o que faz com que a vida continue a existir. 
E isso leva o leitor a outro ponto, ter paciência é importante, porém, permanecer nela também é morte. A claridade solar e a escuridão lunar, em sua constância, concretizam a unilateralidade e geram a morte. Então, qual a solução do problema?
Novamente as duas citações oferecem a resolução desse impasse. A espera paciente auxilia aqui a tomada de atitude. Ou seja, a escolha da melhor forma, modo e hora de agir. É neste aspecto que encontramos Psiquê se fortalecendo através de sua fraqueza. Nesta forma de agir ela ainda faz com que o outro, seu amado Eros se mobilize. Com apenas um ato ela realiza dois feitos. Por um lado ela precisa de paciência para agir, por outro ela precisa de paciência para esperar. 
Enquanto Psiquê não reconhece, também, sua fraqueza ela não pode ser auxiliada pelo outro, seu parceiro Eros. Somente alguém que consegue transparecer sua fraqueza pode ser ajudado. “Quem não chora, não mama.” diz o ditado popular. E, pode-se acrescentar, é somente neste choro que o outro se percebe como partícipe da relação. 
Lembre-se de que num outro momento, (nos espaços deste blog), foi apontado que apenas um médico que reconhece sua ferida poderá auxiliar o doente. Dentro desta prática psi, apenas um profissional possui a capacidade de reconhecer e interagir com seus conteúdos (forças e fraquezas, desejos e decepções, luz e sombras) poderá auxiliar seus clientes. Caso contrário, já apontava Jung, um profissional que não reconhece sua patologia tentará tratá-la em seus pacientes. 
Reconhecer-se como fraco, neste sentido, não é deixar-se cair no mar da vitimização que impede o desenvolvimento. Pelo contrário, é abrir espaço para que o outro possa também reconhecer-se forte e necessitado de relações. 
Não raro, vemos em nossos consultórios pessoas que afirmam que “Todos ao meu redor me acham forte.”, “Não consigo demonstrar aos demais o que sinto.”, ou simplesmente “não consigo chorar.”. A serviço de que estas atitudes estão se apresentando?  
Numa condição social na qual o que importa é um Eu Inflacionado, não se pode pensar em fraquezas. Ou, por outro lado, essa fraqueza é mostrada de uma forma tão primitiva que o Eu, novamente, irá se considerar o “melhor fraco” de todos os tempos. A relação, nestes casos, já está danificada em sua base, não existe uma relação do sujeito com ele mesmo. Na falta de uma relação entre o sujeito, sua consciência Eu, e seus conteúdos internos, na falta deste diálogo mediado, a nosso ver, por Hermes, cai-se na unilateralidade e elimina-se qualquer tipo de relação (seja com Si-mesmo, seja com o Outro). E sabe-se, não há como estabelecer relação, se não me relaciono comigo. Mais uma vez a mente do homem simples oferece caminhos: só posso amar se eu me amar primeiro. Para os profissionais psi, amplificando essa imagem, não há como estabelecer relação se não relacionar-se, primeiro, consigo. Nosce te  ipsum.

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