terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

MARKETING ATUAL E SUAS RELAÇÕES COM O CONCEITO DE IMAGEM ARQUETÍPICA

Juliana Marques Pinc da Silva

Introdução

O objetivo do presente texto é expor as discussões de alguns autores sobre a utilização das imagens arquetípicas, conceito proposto por C.G. Jung, na administração do significado de marcas. O norte desta discussão está pautado no livro “O Herói e o Fora da Lei” de Margaret Mark e Carol S. Pearson (2001), conceituadas profissionais da área do Marketing que, segundo seu livro, foram as primeiras a criarem uma metodologia sistemática para alavancar significados arquetípicos nas marcas. O respaldo para os termos junguianos é oferecido por Marie-Louise von Franz (1975), em “C.G. Jung – Seu Mito em Nossa época” e Samuels (s.d), em “O Dicionário Crítico de Análise Junguiana”. A Dra. von Franz acompanhou o trabalho de Jung durante muitos anos e, mais tarde, fundou o C. G. Jung Institute de Zurique.

Conceito de Marketing

Algumas pessoas têm uma idéia aproximada do que seja marketing, no entanto estas idéias muitas vezes não estão corretas, ou apenas apontam uma parte do conceito real. No mercado atual, marcado por grande competitividade de produtos, os profissionais do marketing salientam que é essencial o entendimento exato do que seja marketing para que não se perca tempo ou esforços com atividades e hipóteses que não produzam resultados.
Para que se entenda o que é marketing começaremos pela identificação do que não o é, como por exemplo, a redução do mesmo a publicidades e propagandas, ou ao processo de venda e a construção de materiais gráficos e divulgação. Então o que é Marketing? Segundo a ABMN (Associação Brasileira de Marketing e Negócios):
Na atividade empresarial contemporânea, as ações de marketing envolvem toda a vida do produto ou serviço, desde o momento em que ele é simples idéia, invenção, projeto, ou simples demanda do consumidor detectada em pesquisa, até o consumo, incluindo as etapas de pós- venda (atendimento ao consumidor após a compra do produto ou contratação do serviço). Isso implica conhecer o que o consumidor deseja, estudar a produção dessa necessidade (desse bem de consumo), produzí-la, distribuí-la e vendê-la ao consumidor, inclusive ensinando-lhe a consumir o produto (ABMN, 2007).
Marketing é, portanto, uma atividade de negócios que tem como função definir as políticas da organização. Assim, também como fenômeno de comércio, ela coordena e integra os processos de troca dos produtos, delineando toda a estrutura da organização. Ele deve orientar o pensamento geral de uma organização tanto na tomada de decisões como na elaboração e execução de planos. É a partir desta visão que a área de marketing tem assumido uma função estratégica nas organizações.
Com vista a uma adaptação à realidade vivida pela sociedade de consumo, a partir da década de 90, as organizações direcionam suas produções não mais com o simples intuito de produzir e vender, como o era em décadas anteriores, mas sim, para a satisfação das necessidades e desejos da clientela. Os consumidores são agora consultados, por meio de estudos de mercado e, com base nesta pesquisa, caso seja favorável, oferece-se produtos/serviços/idéias de qualidade e valor, para que os consumidores voltem a comprar e a falar bem da empresa e de seus produtos. É o que se chama de administração de Marketing com foco no cliente. As organizações não se perguntam mais o que elas querem vender e sim o que o cliente deseja comprar. Essas organizações acabam considerando a clientela, diante da constante competição característica do mercado atual, seu ativo mais precioso, já que ela é a garantia da sobrevivência, prosperidade e crescimento do negócio. A orientação para o cliente quer dizer que as empresas devem considerar o cliente como ponto de partida para todo e qualquer negócio e essa postura deve ser da empresa em todos os níveis, desde o mais alto executivo até o escalão mais baixo.
Portanto, o sucesso da empresa a longo prazo pressupõe uma correta compreensão das necessidades e dos desejos dos clientes e, com base nisso, oferece-se produtos, serviços e idéias para satisfazer a esses clientes melhor do que a concorrência, podendo, dessa forma, criar a fidelidade deles à empresa e competir mais eficientemente com os concorrentes.
É a partir daqui que incluímos em nossa discussão a importância da administração do significado das marcas, segundo Mark e Pearson (2001). A marca é o representante de todas as propriedades que englobam o produto, considerando produto tudo aquilo capaz de satisfazer o desejo do cliente, sendo ele serviços, idéias, filmes, histórias e outros. A marca vai além do nome da empresa, dos símbolos gráficos e slogans dos quais estamos acostumados a ver. São inúmeras as variáveis subjetivas que lhe compõem e o desconhecimento de seus mecanismos de ação pode ser catastrófico para os planos de expansão ou até manutenção de uma empresa no mercado, conforme apontam Mark e Pearson (2001). Ela é tida como um universo de valores representados pelos produtos e benefícios (palpáveis ou não palpáveis) junto ao seu público consumidor. São ativos intangíveis, ou seja, fazem parte dos bens não-físicos de uma empresa e que, em alguns casos, tornam-se verdadeiras fontes de valor para as empresas que são suas detentoras. O processo de administração da marca tem, assim, o objetivo de estabelecer as imagens, percepções e associações pelas quais o consumidor se relacionará com o produto ou empresa.
Mas como fazer isso? Aqui nos atentaremos a sistemática descrita por Mark e Pearson (2001), que aponta para a administração do significado da marca por meio do uso de imagens arquetípicas.

O Poder das Marcas Arquetípicas

Durante algum tempo construir e comercializar marcas não exigia muita inspiração, já que os produtos eram, em grande parte, diferentes entre si. Com o avanço da tecnologia e concomitante crescimento de concorrência, se torna tarefa fácil imitar o produtos bem sucedidos. Diante disso, trabalhar o significado das marcas acaba sendo a melhor estratégia para garantir o produto no mercado.
É bastante comum ouvirmos falar sobre as empresas que tem seus patrimônios físicos e estruturais superados pelo valor da marca. Onde o valor da marca passa a ser o patrimônio maior da empresa. É o caso da maioria das grandes empresas, como por exemplo, Coca-cola, Nike, McDonalds, etc. Isso acontece porque a marca lhe confere valores por meio das experiências que o consumidor vive em função dos produtos por ela oferecida. Além disso, a marca cria sua singularidade no mercado e contribui para diferenciá-la e destacá-la de outras empresas, gerando assim, percepção e um valor icônico para a marca. Estas marcas que prendem a atenção do público, certamente, segundo Mark e Pearson (2001), transmitem um significado arquetípico.
As autoras salientam que personalidades, como no caso da Princesa Daiana, devido a suas vidas, transmitem um significado arquetípico e, por isso, ganham tanta atenção. A mídia com suas histórias, os filmes campeões de bilheteria como Titanic (o amante trasnformador), Forest Gump, o contador de histórias (o poder do tolo sábio), Coração Valente (o herói triunfante), Shakespeare apaixonado (o criador que transforma o sofrimento do amor perdido em arte enobrecedora), Beleza americana (o cara comum como ser místico) e outros, apresentam conteúdo arquetípico.
Em alguns casos os produtores apenas intuem um significado, mas em outros, como no do filme Guerra nas Estrelas (Star Wars), a construção do filme é guiada por um sistema consciente fazendo com que cada episódio consiga transmitir figuras arquetípicas e enredos míticos, levando a um auge de apreciadores do filme.
O processo de administração da marca deve, portanto, capturar o significado essencial da categoria do produto e comunicá-lo de forma elaborada. É o que as autoras chamam de identidade arquetípica. Mark e Pearson (2001) salientam que mediante um processo bem realizado e constantemente alimentado, a marca, ao longo dos tempos, corporifica o arquétipo e assume ela própria um significado arquetípico.
É com a seguinte perspectiva que as autoras mencionadas elaboram um sistema de compreensão e administração do significado das marcas:
O significado de uma marca é seu ativo mais precisoso e insubstituível. Quer você esteja vendendo um refrigerante ou um candidato a presidente, aquilo que sua marca significa para as pessoas será tão absolutamente importante quanto sua função – talvez até mais – porque é seu significado que nos diz que “este me parece perfeito” ou “é este que eu quero”. O significado fala ao sentimento, ao lado intuitivo, do público; cria uma afinidade emocional, permitindo que os argumentos mais racionais sejam ouvidos (MARK e PEARSON, 2001, p. 24).
É no conceito ‘arquétipo’ (estruturas e padrões básicos das estruturas inerentes à psique humana) elaborado por C.G. Jung, que as autoras foram buscar o guia do Marketing em sua empreitada de administração do significado das marcas. Elas consideram que os arquétipos são: “Impressões, diretamente encadeadas na nossa psique” (...) “influenciam os atributos que amamos na arte, na literatura, nas grandes religiões do mundo e no cinema”. (MARK e PEARSON, 2001, p. 25).
Uma das grandes descobertas apontadas na obra de C.G. Jung é a existência de uma psique coletiva. Jung percebeu que alguns sonhos traziam conteúdos que não podiam ser explicados em termos de lembranças pessoais e que era possível fazer um paralelo destes com imagens mitológicas e histórias antigas. Ao longo de seus estudos, ele então começa a considerar estes conteúdos fósseis vitalmente significativos da psique humana, dizendo que os complexos pessoais mais fortes tem a sua raiz em um terreno coletivamente humano. É a partir disso que o autor faz a distinção entre inconsciente coletivo e inconsciente pessoal. Este último sendo aquele de conteúdos experimentados, esquecidos e reprimidos em termos pessoais e, o primeiro, sendo aquele que revela uma natureza psíquica inata, comum a todos os seres humanos.
Considerando o inconsciente coletivo como um campo, da mesma forma que von Franz (1975), podemos nos referir aos arquétipos como pontos ativados no interior deste campo. Segundo a autora, os arquétipos podem ser considerados predisposições inatas que se manifestam na experiência concreta e, portanto, ordenam e organizam suas representações em determinados padrões. Assim ela descreve:
No domínio do consciente-inconsciente, os arquétipos indemonstráveis se mostram como idéias ou representações arquetípicas, ou seja, na forma de representações simbólicas, mitológicas, comuns a certas coletividades, bem como a povos ou épocas inteiros. São “modos de apreensão” típicos que pertencem, do ponto de vista estrutural, a todos os seres humanos, e que formam ao mesmo tempo uma auto-imagem interior, por assim dizer, dos instintos humanos ou de sua estrutura (FRAZ, 1975).
O arquétipo é, portanto, essencialmente inconsciente, sendo que é alterado ao tornar-se consciente e ao ser percebido, emprestando sua coloração aos conteúdos da consciência coletiva de um povo particular. Jung dirá, de acordo com von Franz (1975), que a delimitação dos arquétipos pode acontecer somente de modo relativo já que as associações de sentido e até de identidade se interpenetram entre todos os arquétipos. Esta racionalização pode acontecer somente de modo arbitrário, baseada em uma ‘realidade psicológica’, desta forma: “Elas só são delimitadas e genuinamente apreensíveis na cultura concreta de um povo ou no trabalho e na experiência de um indivíduo” (FRANZ, 1975).
Neste sentido, Mark e Pearson (1975), ao estudarem as representações arquetípicas das marcas de sucesso, evidenciam 12 arquétipos principais que, segundo elas, se expressam frequentemente na atividade comercial dos dias de hoje. Seguem, os arquétipos encontrados pelas autoras e suas respectivas funções na vida das pessoas:
Criador (criar algo novo); Prestativo (ajudar os outros); Governante (exercer o controle); Bobo da Corte (se divertirem); Cara Comum (estarem bem assim como são); Amante (encontrar e dar amor); Herói (agir corajosamente); Fora-da-Lei (quebrar regras); Mago (influir na transformação); Inocente (manter ou renovar a fé); Explorador (manter a independência); Sábio (compreender o mundo em que vivem) (MARK e PEARSON, 2001, p. 27).
O Prestativo, por exemplo, poderia ser a identidade de marca de entidades não governamentais de ações filantrópicas. Uma marca assim poderia auxiliá-la a conseguir parceria de outras empresas que, por algum motivo, queiram associar a imagem de sua marca a organizações socialmente responsáveis. O Explorador pode ser associado a empresas de turismo, ou a marcas de roupa própria para esportes radicais, ou alimentos fáceis de carregar, o que facilitaria a alimentação de quem não cria raízes e está sempre viajando. O Sábio seria bem expresso por empresas que comercializam computadores, softwares, e produtos relacionados. Assim como pode transmitir a essência de uma universidade e/ou outras instituições de ensino. O Bobo da Corte tem como propósito divertir os consumidores, portanto, caberia em uma empresa de entretenimento e o Criador pode ser identificado em empresas de publicidade. Estas são apenas breves exemplificações, cabe aqui ressaltar, que esta escolha sempre dependerá dos objetivos da empresa, como ela foi criada, dos produtos que ela engloba e qual a cultura que ela será inserida.
Implementar estratégias de marcas arquetípicas, pode, segundo as autoras, proporcionar o elo perdido entre motivação do cliente e as vendas do produto. Estes produtos têm a possibilidade de falar diretamente à matriz psíquica profunda do consumidor, ativando assim um senso de reconhecimento e significado, já que as imagens arquetípicas sugerem a realização dos mais básicos desejos e motivações humanas, como por exemplo, liberdade, identidade, realização e intimidade. Mark e Pearson (2001, p. 28) apontam que: “Em um mundo ideal, o produto desempenha uma função mediadora entre necessidade e sua satisfação”.
As autoras condensam as motivações humanas em quatro impulsos principais, posicionando-os ao longo de dois eixos. Um deles terá de um lado a Estabilidade e a Mestria do outro, verticalmente; e no outro eixo o sentimento de Pertença e o de Independência como seu oposto, horizontalmente (MARK & PEARSON, 2001). Assim, durante a nossa vida estamos constantemente negociando ao longo destes pólos e, se sacrificamos uma ponta em favor de outra, existe na nossa psique a tendência a procurar o equilíbrio.
Marcas que apresentam sua identidade arquetípica de forma coerente são capazes de, segundo Mark e Pearson (2001), fazer a intermediação entre os produtos e a motivação do consumidor, porque oferecem uma experiência intangível do significado. Elas então identificam os arquétipos mais importantes para a satisfação das quatro necessidades humanas básicas. A Estabilidade seria o Criador, o Prestativo, e o Governante, já que ajudam o consumidor a sentir-se seguro; Pertença, o Bobo da Corte ao sentir-se amado; Mestria, Herói, Fora-da-Lei e o Mago, possibilitando o sentimento de realização; Independência, o Inocente, o Explorador e o Sábio, relacionados à possibilidade de encontrar a felicidade. (MARK e PEARSON, 2001)
Para atrair a lealdade à marca, é necessário que o produto cumpra com a funcionalidade e com a mensagem/marca que promete. O consumidor ao se utilizar do produto vive o significado arquetípico em sua vida cotidiana. Não se trata somente de anexar um significado a um produto, as marcas realmente poderosas transmitem mensagens relacionadas à sua identidade arquetípica em todas as suas ações no mercado, desde a produção, venda e vida da empresa.
Mark e Pearson (2001) descrevem os passos que possibilitam a descoberta da identidade arquetípica de uma marca, a fim de garantir um posicionamento arquetípico. Este caminho se inicia desde a busca da alma/essência da marca, passando pela análise da substância da mesma, até a análise da concorrência e do público alvo. Esta pesquisa tem como objetivo capturar grande parte dos aspectos que motivaram a criação da empresa e do produto. A relação destes motivos com os necessidade e desejos do consumidor deve então estar envolvida em uma representação arquetípica coerente. Além disso, a marca, ou seja, a mensagem que ela transmite, deve ser constantemente reinterpretada em relação à realidade na qual está inserida. A própria estrutura da organização/empresa, tal como visão, missão e valores, deve estar alinhada, como um todo, ao significado arquetípico que se quer transmitir.

Concluindo...

Levando-se em conta o impacto do Marketing da marca na cultura e na vida do indivíduo, Mark e Pearson (2001) nos propõem algumas reflexões muito importantes. É essencial que a construção da marca trilhe seu caminho e seus objetivos de forma consciente para que seja possível prever ou até neutralizar problemas éticos que venham a surgir na publicidade.
A abrangência do marketing sobre a vida contemporânea é notável e por isso se faz importante um estudo sobre as etapas que envolvem suas ações. A grande influência que algumas campanhas publicitárias alcançam, desde já, nos remetem ao fato de haverem conteúdos arquetípicos nestas mensagens, diante disso, nada mais sensato do que os profissionais da área terem conhecimento sobre este conceito e as conseqüências que o significado transmitido pode acarretar.
Administrar significados arquetípicos para atrair atenção e fidelidade do consumidor à marca é algo que traz responsabilidade ao profissional da área, já que poderá ativar os conteúdos mais profundos do ser humano, tendo em vista que tratamos aqui com o material coletivo. De acordo com Samuels, em O Dicionário Crítico de Análise Junguiana, “dar expressão arquetípica a alguma coisa pode ser interagir conscientemente com a imagem coletiva, histórica, de forma tal a permitir oportunidade para o jogo de polaridades intrínsecas: passado e presente, pessoal e coletivo, típico e único” (SAMUELS, s.d).
 
REFERÊNCIAS

ABMN: Associação Brasileira de Marketing e Negócios. Disponível em: Acessado em: 25/08/2008 às 17h10min.

FRANZ, M. L. V. C. G. JUNG – Seu Mito em Nossa Época. 1ª Ed. Editora Cultrix, São Paulo, 1975. Disponível em: . Acessado em: 25/08/2008.

MARK. M.; PEARSON. C. S. O Herói e o Fora-da-Lei: Como construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos. Editora Cultrix, São Paulo, 2001.

SAMUELS, A.; SHORTER, B.; PLAUT, F. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. S.d. Disponível em: Acesso em: 25/08/2008 às 18h.

Indicações de leitura

ATKIN, Douglas. O culto às marcas: quando os clients se tornam verdadeiros adeptos. 1ª Edição. Cultrix, 2007.

TAVARES, Mauro Calixta. Gestão de Marcas – construindo marcas de valor. 1ª Edição. Editora Harbra, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário