segunda-feira, 16 de maio de 2011

"O QUE ACHO DA 'LOUCURA'?"

Loucura é isto: o impossível acontece: é fazer aquilo que para os outros seria impossível, por missão, por vergonha, por medo, por falta de um conhecimento mais profundo, por falta de psicologia. A pessoa já nasce psicóloga. Nós temos muitos psicólogos analfabetos e graças a Deus que os temos bem perto de nós. Quem pode estudar vai ganhar a vida com esta profissão.

Loucura é casar de véu e grinalda, esperando neném, é aceitar o título de “Mãe Solteira”, de filho ou filha de uma puta sem reagir com agressividade, é querer que a empregada ou empregado estude para progredir; é a professora que estuda com alunos do jeito que quer e não tem inveja do seu aluno ou aluna ganhar mais que ela depois de uns anos, é atender aos amigos e mesmo inimigos à hora em que eles precisam e não à hora que a gente pode.
Minha loucura é ser ESCRAVA DE MARIA. Loucura é também achar que todos estão loucos, menos a gente? E os outros internarem e a gente ficar na nossa. Loucura é ver acusar o inocente e a gente não ter coragem de dizer que o culpado é a gente... todo mundo louco!... todo mundo louco!... Loucura é “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Loucura é sorrir no meio das lágrimas, é ter coragem de enterrar os outros mortos ou vivos. Loucura é achar que a carapuça serve para todos, menos para a gente. Loucura é ter coragem de dirigir um carro, um ônibus, uma kombi... dirigir uma família, uma loja, um buteco, etc., tendo ou não responsabilidade.
[...]
Eu, por exemplo, é a terceira vez que me internam para fazer tratamento com psiquiatra, todas sem eu querer, porque tenho duas famílias e em todas elas, eu podia tomar remédios, mas não, vocês me complicam toda; “tá na hora de consultar”, Você não pode fazer isto”, “nem aquilo”, “Não pode lecionar”, “duas consultas marcadas”, etc., etc., etc. Eu não sou criança do Papai Noel e da Cegonha, em mim vive a loucura da criança que renasce do natal de Jesus e da Mãe e Pai que vivem para cada filho e filha uma vida inteira de anos e filho e filha que não vivem para eles nem uma hora sequer.
Loucura é cada um viver a sua vocação, o AMOR, com toda a sua plenitude e na estrada da vida que escolheu livremente, sem se incomodar com o que os outros pensam da gente. Loucura é o canto: “A Estrela D'Alva” cantada por Dalva de Oliveira e por nós, com a mesma letra ou fazendo adaptações. Loucura é um pai e uma mãe doar um filho, uma filha para o serviço de Deus. Loucura é não ter medo da morte e saber e crer que ela é passageira, mas inventar tudo para que cada um viva mais um pouco, descobrindo a alegria de viver e servir. Loucura é carregar a cruz de cada dia e ser Simão Cirineu.

Este é um relato feito por uma paciente psiquiátrica que tem uma parte de sua vida contada no livro A LUCIDEZ DA LOUCURA, de Hiram Firmino. Neste, o autor descreve com sua visão de jornalista o sistema de saúde e psiquiátrico em Minas Gerais no final da década de 70. 
No livro ainda encontramos essa mesma paciente apegada a uma música que é bastante elucidativa, mesmo hoje, quando pensamos nos atendimentos psi e de todos os profissionais da área de saúde nesta imensa Terra Brasilis.

“Bonequinha de Paris

Eu tenho uma bonequinha
Que veio de Paris pra mim
Que fala Mamãe e Papai
Que fica de pé e não cai
Um dia descuidei
Caiu da minha mão, no pé
Quebrou o narizinho, no pé
Chorei, chorei até!
Mandei chamar doutor
Doutor curou, curou
Minha bonequinha morreu com dor.”

FIRMINO, Hiram. A LUCIDEZ DA LOUCURA : A “via-crucis” de Maria, a louca de Minas que desnudou a psiquiatria. Petrópolis : Vozes, 1986.

Nenhum comentário:

Postar um comentário