Mauro Sérgio da Rocha
A teoria junguiana, atualmente, começa a ganhar campo e respeitabilidade graças ao aumento de pesquisadores sérios e dispostos a discutir de forma real a contribuição e influência de Jung no campo das ciências, em específico na psicologia. Valendo-nos deste processo teórico no qual Jung ganha reconhecimento e abre novos campos de aplicabilidade, buscaremos levantar algumas discussões no intuito de fazermos uma análise das Histórias em Quadrinhos (HQs) a partir do referencial teórico da psicologia analítica.
Para melhor entendimento de nossa explanação, prosseguiremos apresentando a relação entre arte e HQs (considerado por alguns autores como a nona arte), tendo como base autores que discutem quadrinhos e psicologia analítica. Logo após, entraremos no mundo da HQs do Spawn, personagem que, em maior ou menor grau descreve no decorrer de suas publicações inquietações referentes ao homem.
A Arte da “Nova Arte”
A arte, atualmente, já se firmou como fonte de pesquisa teórica. Os estudos de obras ou dos próprios autores oferecem material válido para o entendimento de uma época específica, uma cultura e seus costumes, a personalidade de um autor através do conjunto de suas obras, identificação de um estilo, etc. Se prestarmos atenção veremos que esta afirmação se perderá em meio aos inúmeros trabalhos que são embasados por referenciais teóricos e artísticos, de uma forma geral. Portanto, através de um modo ou outro, a pesquisa em arte vem se estruturando e garantindo seu espaço a passos largos.
Todavia, o que dizer daqueles desmembramentos ocorridos com as formas artísticas? Falamos aqui daquelas formas que passam despercebidas por críticos de arte ou pelas galerias refinadas das grandes metrópoles. Falamos aqui da “arte” nem tanto reconhecida – e não são poucas – que possuem vinculação com a arte tomada como “culta”. Alguns tipos de dança, o grafite, as histórias em quadrinhos, etc., se encaixam perfeitamente nesta categoria. Pretendemos apontar que, como no homem, o processo de desenvolvimento ocasionou transformações humanas e sociais e, neste sentido, este processo faz parte da potencialidade contida no homem e em sua prática. Ou seja, as mudanças sentidas e praticadas continuamente pelo homem em todo o seu processo evolutivo fizeram com que surgissem novas formas de vida e representação dessa vida, todavia, estas novas formas de se viver ainda possuem relação com nosso lado primevo de ser. É sobre essa base que nos colocamos quando afirmamos que as HQs são fruto desse processo evolutivo da prática artística humana.
Indo de encontro a questões mais históricas, podemos dizer que desde tempos antigos o homem tem, com maior ou menor intensidade, a necessidade de desenhar e contar estórias. Provas disso são as pinturas rupestres (desenhos antigos que, em certo grau, possuem muita semelhança com as HQs, uma vez que possuem, algumas vezes, uma seqüência de imagens que explicam um todo), e outras imagens que nos remetem a seqüências (a via sacra nas igrejas, algumas tapeçarias, várias imagens gregas, etc.) (MCCLOUD, 2005). Segundo Vergueiro:
De certa forma, pode-se dizer que as histórias em quadrinhos vão de encontro das necessidades do ser humano, na medida em que utilizam fartamente um elemento de comunicação que esteve presente na história da humanidade desde os primórdios: a imagem gráfica. O homem primitvo, por exemplo, transformou a parede das cavernas em um mural, em que registrava elementos de comunicação para seus contemporâneos: o relato de uma caçada bem sucedida, a informação da existência de animais selvagens em uma região específica, a indicação de seu paradeiro etc. (VERGUEIRO, Waldomiro; VILELA, Túlio; BARBOSA, Alexandre. et al. (Orgs), 2004, p. 8).
Logo percebemos que esta forma de se expressar (a HQs) pertence, em gênese, a tempos imemoriais no qual o homem de hoje apenas transformou, elaborou, um conteúdo antigo incrustado em seu ser. É claro que não podemos perder de vista o fato de que em seu desenvolvimento, tanto o homem como suas produções, transformaram-se a tal ponto que apenas um estudo pormenorizado pode identificar tais conteúdos como pertencentes ao arcabouço histórico da humanidade.
Continuando a parte histórica, a fim de marcar um ponto de nascimento para a HQs, a maioria dos autores considera que esta produção tomou forma e reconhecimento como tal a partir da criação de Yellou Kid (Garoto Amarelo) criado por Richard Felton Outcault em 1895.
Segundo Silva (2002)
Considera-se convencionalmente o Yellow Kid de Richard F. Outcault, que era publicado semanalmente no Sunday New York Journal, como a primeira história em quadrinhos propriamente dita. A primeira aparição desta personagem se deu em 5 de maio de 1895; era um garoto de cabeça grande, orelhudo e com um camisolão sujo. Suas histórias eram ambientadas nos guetos de Nova York, onde ele morava; a essa personagem estava associada uma certa irreverência até então não vista nos jornais (p. 18-19).
Entretanto, temos consciência de que nada nasce ou aparece por acaso, e este fato nos remete ao processo de desenvolvimento das HQs e sua ligação com a humanidade como um todo. Seu aparecimento e reconhecimento estão diretamente vinculados a uma prática e conhecimentos armazenados historicamente, conteúdos que fazem parte de todo o desenvolvimento humano acumulado e em contínua transformação. Dessa forma, entendemos que o que se apresenta como algo inovador nada mais é do que o resultado parcial de um processo em constante mutação e elaboração.
Outras questões merecem destaque quando pensamos na relação arte e HQs. Se pegarmos pela técnica utilizada na elaboração/produção de algumas HQs perceberemos o cuidado com pontos referentes a forma, estrutura, a imagem em si. Não há, atualmente, como questionarmos trabalhos cuidadosamente realizados e organizados por Eisner, Ross, Lee, Miller, Gaiman, isso para falarmos dos mais recentes. A qualidade da imagem e da literatura empregadas por estes artistas passam longe de representações organizadas para alegrar crianças. Evocam técnicas específicas para a produção de sua arte – conhecimento sobre anatomia, perspectiva, luz e sombra, e ainda, composição de texto e página, tipos e formas de linguagem (Vergueiro, 2002). Ou seja, para a finalização de algumas HQs existe a necessidade da aplicação de toda uma gama de conteúdos técnicos que podem ultrapassar o conhecimento técnico empregado numa obra de arte, seja ela literária, visual, ou outro tipo qualquer que denominamos arte culta.
De outro lado, se formos ao encontro do simbólico, verificaremos conteúdos, também, muitas vezes comuns entre ambas. Possuem sempre um detalhe a mais que ultrapassa as simples expectativas cotidianas de escrever e desenhar – e, talvez em virtude disso, tocam um grande público, o coletivo. Já mencionamos isso acima. Neste sentido, de uma forma moderna, as HQs recuperam práticas antigas como a de contar estórias, relacionar símbolos entre si e, ao mesmo tempo, dão continuidade a um processo artístico. Não podemos negar que, com isso, uma e outra possuem seu valor histórico e simbólico, às vezes mais um do que o outro, tendo em vista que, assim como podemos fazer análises através das produções artísticas também podemos completar a mesma tarefa através do estudo das HQs – às vezes de uma forma mais divertida.
A diferença real entre a arte tomada pela visão culta da sociedade e as HQs encontra-se principalmente, a nosso ver, na ligação entre estas e o mercado, ou seja, a valorização financeira dada a uma e a outra. Com o passar do tempo as HQs foram se diferenciando e distanciando-se do que convencionou-se avaliar como arte em decorrência de sua ligação com o contexto social que foi se formando e as formas de desenho e escrita singulares.
Como vemos, as questões aqui levantadas ainda merecem maiores estudos e reflexões por demonstrar, de uma forma moderna (entendido aqui como a sociedade atual), a volta do homem ao estudo e vivência dos mitos, dos contos, de um mundo de imaginação, no qual realidade e fantasia complementam-se ou, podemos pensar ainda, que estes movimentos nos levam ao encontro e trabalho com o puers. Sobre isso, concordamos que “o poder da imaginação, com sua atividade criativa, libera o homem da prisão da sua pequenez, do ser ‘só isso’, e o eleva ao estado lúdico. O homem, como diz SCHILLER, ‘só é totalmente homem, quando brinca’” (JUNG, 2004, p. 43, § 98).
SPAWN: Uma Realidade em Conflito
Desde tempos imemoriais o homem busca explicações para a existência das coisas. Ao passarmos por estas tentativas de explicação provavelmente nos deparemos com entidades e seres fantásticos próximos e distantes, realidades diversas, explicações concretas, psicológicas, físicas, químicas, etc... Assim como as encontradas numa HQs. Haja vista que ambas partem do fantástico ou do conhecimento acumulado pela humanidade. Conseguem perceber?
Se formos materialistas, poderíamos dizer que tudo se reduziria ao conhecimento adquirido, tendo em vista que somente ele nos permite fantasiar. Se formos idealistas, com certeza prezaremos pela imaginação humana. Se formos dialéticos consideraremos a existência e potência de ambos os caminhos apresentados, considerando que um não vive sem o outro ponto de vista.
Pois bem, Spawn é um personagem dialético. Todd MacFarlaine ou Big Mac (como ficou conhecido após o sucesso do personagem), criador de Spawn, utilizou-se de todo o processo social decadente e contraditório em que se encontrava a humanidade, adicionou questões históricas, mitológicas e outras mais, a fim de compor as características básicas do personagem que vive em contínua luta interna e externa que se traduz em aprendizado e transformação da personalidade. Criado em 1992 e publicado no Brasil a partir de 1996 a revista é preenchida constantemente por personagens e figuras que misturam realidade e fantasia. Neste sentido, a revista ganha o público pela curiosidade que desperta em relação aos assuntos mais variados da história humana.
Dentro desse emaranhado complexo da história humana encontramos nosso personagem principal, Al Simmons, nosso Spawn atual, que nasceu e cresceu de forma tranqüila, até ingressar na CIA e se envolver com atividades secretas. Foi justamente numa dessas atuações que Simmons perdeu sua vida nas mãos de Jéssica Priest, a mando do chefe de ambos Jason Wynn. Simmons morre e vai para o inferno, deixando na terra sua, agora viúva, Wanda Blake, o amor de sua vida.
Entretanto, o que parecia ser o fim tornar-se-á apenas o começo da história do tenente-coronel Al Simmons. Nesta nova vida ele também é recrutado por um exército, um exército infernal comandado por um demônio chamado de Malebolgia. Toda a trama se torna possível a partir do momento em que nosso personagem assina um acordo no qual ele comandaria as tropas do inferno na luta final entre céu e inferno, em troca, poderia ver sua amada esposa Wanda. Após o contrato firmado, Simmons retorna a terra trazendo consigo algo mais do que esperava. Traz como parte de si uma criatura ligada a sua estrutura molecular, um simbionte, e para espanto de nosso mais novo general do exército do inferno, já havia se passado cinco anos após sua morte.
A partir disso, nosso personagem, perdido no tempo e espaço, começa sua jornada a procura de respostas. A obviedade dessa busca é tanta que a primeira saga do personagem intitula-se “Questões” e compreende os quatro primeiros números da revista.
Nesta nova forma de ser e existir, Al Simmons agora chamado apenas de Spawn, encontra-se em constante conflito, seja entre real e imaginário, seja entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno... E a lista continua.
São justamente estas relações conflitivas próprias do ser humano moderno, associado a uma grande carga de realidade, mitologia, literatura e religião, que diferenciam este dos demais super-heróis. Ele carrega em si a clara contradição humana sobre “o que fazer” e “como fazer” sem desvencilhar-se de conceitos como bem e mal. Aponta ainda para o fato de que estes conceitos, bem e mal, estão em constante e contínua união – um verdadeiro jogo de opostos.
Podemos seguir nosso raciocínio pinçando uma questão básica de toda a trama em que se encontra nosso personagem. Pensemos no simples fato de que um “soldado do inferno” vaga pela terra tentando fazer o bem. Isso já se mostra incompatível, menos para Al Simmons. Encontramos também neste jogo de contradições, Spawn percebendo a existência de pessoas que fazem a diferença entre um lado e outro, influenciando um ponto ou outro de uma luta constante por poder e, indo além, que céu e inferno são figuras ativas das ações realizadas no plano da realidade humana, ou seja, todos são responsáveis de uma forma ou de outra, uma vez que todos são participantes ativos do desenrolar de toda a humanidade. Nisto podemos entender o quanto todos se tornam responsáveis pelas suas próprias ações.
Neste ambiente caótico encontramos o mal encarnado, Spawn, e sua prole de conflitos e contradições que, em gênese, apontam para enigmas e símbolos pertencentes ao homem, antigo e moderno.
O Demônio da Sombra (?!)
Até o presente momento tivemos a intenção de justificar e descrever em linhas gerais um personagem que nos oferece uma visão singular de algumas questões que permeiam nossa realidade e suas contradições.
Neste tópico buscaremos discutir de forma didática o personagem Spawn sob a luz da psicologia analítica. Prenderemos nossa atenção, sobretudo, numa questão que se mostra relevante na revista e em nossos dias, falamos aqui da parcela da personalidade compreendida como Sombra. A escolha deste tema faz-se com base no fato deste conceito ser muitas vezes tomado de forma negativa e, também, pelo próprio autor da revista aludir ao conceito em uma de suas sagas: Estrada Para a Salvação.
A teoria junguiana nos mostra o quanto é necessário compreendermos os lados sombrios de nossa personalidade. Por esse viés emerge a necessidade de conciliação entre nossa Sombra, aspectos profundos e obscuros de nossa personalidade, e nossa consciência, nosso contato com a realidade externa (JUNG, 2004). Portanto, a conscientização de nosso lado sombrio é de fundamental importância para a busca do equilíbrio. Somente através disso poderemos almejar a união dos opostos, tornando-nos um ser completo. Entendamos, sempre, que o conceito de Sombra, dentro da teoria junguiana é representada por conteúdos incompatíveis com a vivência do indivíduo, ou seja, ela pode englobar em si conteúdos que dizem respeito a qualidades, virtudes, defeitos, conflitos, etc. Dessa forma, ela não deve ser visualizada como sendo apenas composta por conteúdos pura e simplesmente negativos, mas sim como positivo/negativo.
Na saga acima referida, Spawn encontra-se desconectado de sua Sombra e, em virtude disso, tem apenas flashes de sua existência. Vemos nosso personagem partido ao meio, duas faces de uma mesma moeda. De um lado um homem que não sabe de onde vem ou para onde vai, sente-se feliz, porém, perdido. Do outro lado observamos uma criatura instintiva disposta a encontrar seu Eu não importando a que custo. No meio desse jogo nos deparamos com Nyx, uma “bruxa moderna” que ajudará nosso personagem a se encontrar e se completar.
No percurso da saga vemos explicitamente que a Sombra, representada na revista pela criatura, e o Ego, All Simmons, encontram-se perdidos. Um e outro, cada um a seu modo, sentem a presença e a falta, entretanto, a iniciativa maior é da criatura, é dela a tentativa de união com seu “EU” – Simmons – enquanto que para Simmons há apenas a sensação de algo perdido, fragmentos de uma realidade perdida, mas algumas vezes até tranquila. Em uma passagem, a criatura faz a aproximação, entretanto, Simmons foge desesperado deste encontro. Podemos dizer, neste processo, que a sombra tenta através de várias formas irromper à consciência na tentativa de uma integração. Neste processo, Simmons não tem conhecimento nem sentimentos em relação a sua sombra, existe apenas uma sensação ilusória de paz e tranquilidade. Em decorrência disto, sua Sombra (criatura) age indiscriminadamente, atuando de forma primitiva, ela é pura energia incontrolável que possui necessidade de extravasar, haja vista que não há uma contraparte que possa promover o equilíbrio. Podemos pensar que esta relação é a expressão do inconsciente exigindo atenção, é a forma encontrada por ele para mostrar que não há como o homem fugir de suas vivências e responsabilidades e, consequentemente, de seu lado sombrio.
Ironicamente, Nix – nome dado à deusa da noite – nos remete, de certo modo, à escuridão, ao lado profundo do homem e de sua alma. Sobre a relação existente entre nosso personagem e esta figura feminina, devemos nos atentar para o importante papel desempenhado pelo feminino dentro da psicologia analítica e dentro da relação na qual o masculino procura alcançar sua completude, tendo em vista que, enquanto anima, seria ela uma representação do inconsciente. De acordo com Jung (2004) “em princípio essa figura só se encontra nos homens, e só se manifesta com nitidez quando as características do inconsciente começam a tornar-se problemáticas (...)”(p. 12, § 18).
Neste caso específico, Nyx é a que faz a ponte entre All Simmons e a criatura infernal a fim de que juntos, completos, tornem-se Spawn novamente. Ou seja, enquanto representação do feminino, Nyx, realiza a ligação entre o consciente e inconsciente, trazendo Spawn à consciência de si enquanto ser real, em conflito e responsável por seus atos e, de acordo com Jung (2004) , “quando se tem consciência daquilo que se oculta, o prejuízo é evidentemente menor do que quando não se sabe que se está recalcando e o que se recalca” (p.54, §125).
Identificamos também no decorrer desta saga um passo dado rumo ao processo de individuação. Este processo, recordando a teoria, não se confunde com perfeição ou individualismo, mas parte sim de uma condição de clareza e responsabilidade assumida com relação às próprias ações efetuadas. Dessa forma, quando Spawn se depara com suas memórias e conflitos – tomada de consciência proporcionada pelo encontro com a sombra – há o reconhecimento assumido de seus atos, e, nesta hora, podemos mencionar individuação tendo em vista que visa uma interação entre os opostos.
A parte seguinte do desenrolar desta estória de encontro com o si mesmo – para mencionarmos outro conceito junguiano – se traduz na nova postura adotada por Spawn, postura essa caracterizada, a princípio, por um enorme desespero frente aos conflitos, para depois se traduzir em uma possível consciência e responsabilidade de si. Uma vez consciente de sua parte sombria nosso personagem pode aprender novos caminhos, novas formas de estar e aceitar o mundo, e Nyx ainda pode auxiliá-lo, tendo em vista todo o simbolismo que a envolve.
Não podemos aqui dimensionar e abranger a gama de acontecimentos proporcionados pelas revistas, mesmo que nos prendamos apenas a esta saga em questão. O que tentamos demonstrar aqui foi uma pequena parcela do universo que envolve este personagem. Deixamos aqui a intenção de novas discussões e trabalhos que venham a somar experiências e práticas com Histórias em Quadrinhos (HQs).
Conclusão
Nosso percurso até aqui teve a pretensão de demonstrar que podemos utilizar HQs como auxiliar em nossa prática psicológica, neste sentido, percorremos o universo de Spawn na tentativa de compreender melhor sua relação com a teoria junguiana e a realidade.
Temos clareza do fato de que, faz algum tempo, aparece um número expressivo de produções que nos direcionam a discussões sobre o papel do herói, suas representações e sua trajetória. Entretanto, raras são às vezes em que encontramos, nestes trabalhos que fazem alusão ao herói, referências que nos encaminhem para uma leitura e/ou discussão que nos remeta aos quadrinhos. A nosso ver, as HQs hoje – os quadrinhos de forma geral – representam um ponto de referencia importante quando pensamos em algumas questões que envolvem a discussão sobre o herói, sobretudo a análise do herói moderno e, as vezes de forma indireta, as relações que se estabelecem na sociedade. A pouca representatividade de trabalhos que analisam as HQs através das teorias científicas existentes, sejam elas psicológicas ou não, contribuem para que estas discussões continuem perdidas entre alguns poucos teóricos entusiastas por HQs.
Tendo conhecimento destes e de outros fatos relacionados às HQs, podemos apreender que a psicologia analítica e seus principais conceitos encontram-se muito mais disseminados do que poderíamos imaginar – de acordo com o exemplo acima. Noutro ponto, constatamos a possibilidade de uma discussão teórica a partir da exemplificação de uma HQs e/ou de um personagem.
Spawn nos apresenta o homem moderno e, como tal, encontra-se mergulhado em contradições e conflitos existenciais. A revista em si nos leva a uma constante interação entre real e imaginário através da apresentação de personagens místicos, mitológicos, históricos, filosóficos, literários, etc. Por estas e outras características Spawn nos oferece um vasto material, tanto no enfoque da psicologia analítica quanto nas demais teorias. Neste sentido, fica aqui a intenção de que o mundo teórico possa compreender a realidade em sua totalidade e, assim, dando valor a toda e qualquer produção humana, tendo em vista que esta nada mais é do que vivência humana.
REFERÊNCIAS
HARK, Helmut. (Org.) Léxico dos conceitos Junguianos Fundamentais: a partir dos originais de C.G. Jung. Trad. Maurício Cardoso. – São Paulo : Edições Loyola, 2000.
JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de psicologia analítica. Trad. Araceli Elman. 10 ed. – Petrópolis : Vozes, 2001. (Obras completas de C.G. Jung; v. 18/1).
_________________ A prática da Psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. Trad. Maria Luiza Appy. 9 ed. – Petrópolis : Vozes, 2004. (Obras completas de C.G. Jung; v. 16).
MACFARLANE, Todd & HOLGUIN, Brian. Estrada para a Salvação. Parte 1, 2, 3 e 4. São Paulo: Ed. Abril, julho/outubro de 2003. (Spawn 121 – 124).
MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2005.
SILVA, Nadilson Manoel da. Fantasias e cotidiano nas histórias em quadrinhos. São Paulo : Annablume; Fortaleza : Seculti, 2002.
VERGUEIRO, Waldomiro; VILELA, Túlio; BARBOSA, Alexandre. et al. (Orgs). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. (Coleção Como usar na sala de aula).
XAVIER, Cristina Levine Martins. Soldado do inferno: mito e religiosidade nos quadrinhos. São Caetano do Sul, SP : Difusão Editora, 2004.
Indicações de leitura
MACFARLANE, Todd. Spawn.
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