Mauro Sérgio da Rocha
(Texto elaborado para o Grupo Pietros para aproximações iniciais sobre a teoria junguiana)
Dentro da multiplicidade de teorias e práticas existentes na psicologia encontramos grandes autores que, cada um a seu modo, tentam compreender a incrível complexidade humana. Dentre estes escritores, iremos aqui, apontar alguns conceitos e práticas que fazem parte do corpo teórico conhecido por psicologia analítica, sedimentado pelo médico psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961).
Jung teve uma formação acadêmica em Medicina e decidiu optar pela psiquiatria logo que se formou. Durante alguns anos trabalhou e morou no hospital de Burghölzli, em Zurique, situação que Jung considerou como anos de aprendizado.
Suas leituras o levaram a obra de Freud através da Interpretação dos Sonhos. Este encontro teórico iria refletir mais tarde numa amizade e respeito mútuo que duraram alguns anos. Freud apontava Jung como seu sucessor, porém, desde o início, Jung já pensava em caminhos que não seguiriam a mesma direção teórica de Freud.
Como sabemos, essa amizade chegou ao fim, especificamente, com a publicação do livro Metamorfoses e Símbolos da Libido, agora intitulado Símbolos da Transformação. “Em todo caso, Jung já havia percebido, quando esteve nos Estados Unidos, que, para explorar adequadamente o campo que se descortinava à sua frente, não poderia continuar fingindo que concordava com as preciosas teorias de Freud” (HANNAH, 2003, p. 94).
Por muito tempo Jung foi, e às vezes ainda é, considerado místico. Seus estudos sobre as religiões e culturas orientais, na maioria das vezes, são mal interpretados e isso leva a uma leitura errônea da teoria. Temos claro que Jung sempre procurou analisar as questões religiosas como um cientista e não como praticante de uma ou outra religião. Por não ter rejeitado a religião, mas pelo contrário, por tê-la assumido como um fato psíquico de inegável importância, quer na exigência dos indivíduos, quer na existência das sociedades, foi acusado de ser místico, de ser criador de um conjunto imenso de fantasias. De acordo com Jung, a importância dessas questões se mostra no simples fato de que não existe nenhuma civilização, presente ou passada, que não tenha tido uma religião, um conjunto de crenças e de rituais tidos como sagrados.
Um fato extremamente importante que não podemos deixar de lado na obra deste autor é que ele elaborou toda sua teoria pensando sempre na relação existente entre opostos em busca de um equilíbrio, por exemplo, uma vida sadia se construiria a partir do entrosamento entre componentes conscientes e inconscientes.
Sua obra compreende um total de XVIII volumes que discutem os mais variados assuntos dentro da psicologia incluindo estudos sobre simbolismos, atuação do profissional, a dinâmica e o desenvolvimento da personalidade, entre outros.
Após esta pequena explanação sobre a vida e obra de Jung, pensamos ser relevante a apresentação, de forma simplificada, de alguns conceitos que compõem a psicologia analítica.
Comecemos pela Consciência, que é definida como “um órgão de percepção que registra e interpreta as múltiplas relações com o mundo ao redor, assim como assimila as imagens e os símbolos do inconsciente, classificando-os como palavras e conceitos” (HARK, 2000, p.39). O Ego é um complexo (conjunto de idéias unidas por forte carga emocional) e centro da consciência, ele é “tanto um conteúdo como uma condição da consciência, pois um elemento psíquico só estará consciente quando referir-se ao complexo do ego” (HARK, 2000, p.46).
Contrabalanceando o consciente temos o inconsciente contendo “todas as experiências e conteúdos psíquicos que não se relacionam, de maneira perceptiva , nem com a consciência nem com o ego” (HARK, 2000, p.70). Jung diferencia um Inconsciente Individual de um Inconsciente Coletivo. O primeiro é constituído por “aquisições da existência pessoal, tais como o que se esqueceu, o que se reprimiu, o que foi percebido subliminarmente, o que se pensou e o que se sentiu. Entretanto, ao lado desses conteúdos psíquicos pessoais, há outros conteúdos que não tem origem nas aquisições pessoais, mas numa possibilidade de funcionamento psíquico que foi herdada, ou seja, na estrutura hereditária do cérebro. São as relações mitológicas, os motivos e imagens que, independentemente de uma tradição ou migração histórica, podem ressurgir em qualquer lugar e a qualquer momento” (HARK, 2000, p.72). Esses conteúdos ele denomina de inconsciente coletivo.
Outro ponto que diferencia a teoria junguiana das demais encontra-se no entendimento dos Tipos Psicológicos. Jung distingue quatro tipos de função psicológica, a saber, pensamento, sentimento, sensação e intuição, assim como dois tipos de atitude, introversão e extroversão. Os tipos de atitude determinam nossa maneira de agir e conduzir nossa energia libidinal (entendida aqui como energia vital). Neste sentido, uma orientação voltada para a realidade e objetos exteriores caracteriza uma pessoa extrovertida, em contrapartida, o introvertido caracteriza-se por uma orientação a situações subjetivas. Já as quatro funções auxiliam nossas relações e orientações frente ao mundo. “O pensamento possibilita estabelecer uma relação conceitual entre os conteúdos da representação e as múltiplas experiências. O sentimento é a uma função de atribuição de valor que julga e avalia segundo padrões internos de valor. A sensação contem todas as percepções sensoriais. A intuição é um potencial de pressentimento que confere habilidade de descobrir o pano de fundo de certas situações” (HARK, 2000, p.130).
De modo geral temos que ter claro que todos estes componentes, e outros mais que não foram citados para não nos alongarmos em definições, funcionam de forma conjunta visando um equilíbrio dinâmico que proporcione a integridade da personalidade.
Na prática clínica percebemos a proposta de uma estruturação da personalidade através de uma conscientização e busca de equilíbrio entre estes componentes conscientes e inconscientes. Esse processo Jung denominou de Individuação, caracterizando-se, sobretudo, por uma busca de equilíbrio externo e interno, ou seja, uma relação harmoniosa entre consciente e inconsciente.
Para que este processo ocorra de forma tranqüila, a prática clinica baseia-se numa relação dialética entre terapeuta e paciente, na qual ambos contribuem para o desenvolvimento e transformação da personalidade de forma conjunta. De acordo com Jung “quer eu queira quer não, se eu estiver disposto a fazer o tratamento psíquico de um indivíduo, tenho que renunciar à minha superioridade no saber, a toda e qualquer autoridade e vontade de influenciar. Tenho que optar necessariamente por um método dialético, que consiste em confrontar as averiguações mútuas” (JUNG, 2004, p.3).
Passeando por outros campos da psicologia, dentro das organizações, principalmente nas empresas, a teoria junguiana vem sendo aplicada na seleção e organização de pessoal e equipes que visam o desenvolvimento pessoal e profissional dos indivíduos.
Atualmente percebemos um aumento da procura pela psicologia analítica e, consequentemente, pelos escritos de Jung. Notamos ainda que algumas pessoas encontram este autor através do interesse pelos estudos religiosos realizados por ele, outros pela relação existente entre ele e a física quântica e, claro, pelo interesse em psicologia. Por estas e outras questões notamos um aumento dos núcleos junguianos por todo o pais, seja por curiosidade em conhecer uma teoria ou como prática profissional fundamentada.
Dessa forma, nossa intenção com o presente texto foi a de apresentar, de forma simplificada, este autor que, de uma forma ou de outra, começa a ser conhecido e reconhecido como um dos grandes teóricos da psicologia.
REFERÊNCIAS
HANNAH, Bárbara. Jung: vida e obra – uma memória biográfica. Trad. Alceu Fillmann. – Porto Alegre : Artmed Editora, 2003.
HARK, Helmut. (Org.) Léxico dos conceitos Junguianos Fundamentais: a partir dos originais de C.G. Jung. Trad. Maurício Cardoso. – São Paulo : Edições Loyola, 2000.
JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de psicologia analítica. Trad. Araceli Elman. 10 ed. – Petrópolis : Vozes, 2001. (Obras completas de C.G. Jung; v. 18/1).
_________________ A prática da Psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. Trad. Maria Luiza Appy. 9 ed. – Petrópolis : Vozes, 2004. (Obras completas de C.G. Jung; v. 16).
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